terça-feira, julho 17, 2007

Sonhos

Originalmente escrita em 1990, revisada e publicada em 1994 na antologia VALORES DA NOVA LITERATURA BRASILEIRA – Litteris Editora, RJ.


Sonhos... dizem que são apenas imagens derivadas de recordações de vários acontecimentos que presenciamos.

Sonhos...

***

Você corre pela paisagem onírica. A sua volta, imagens de assassinatos, crimes, guerras, destruição, fome... Você busca uma saída mas em todo lado é a mesma coisa...

Então, quando pensa que já presenciou tudo de pior que há, você vê o responsável por tudo aquilo. Vê o Anjo Negro...

“Lúcifer!” - você grita, e então o mundo se dissolve ao seu redor e você está nas nuvens, flutuando. Ao seu lado, um homem alto, cabelos grisalhos, trajes brancos: “Calma, minha querida, está tudo bem.” - Ele a tranqüiliza. Você o abraça e chora. “Era ele, era...!” - você diz.

“Não, não era ele. Era apenas a imagem que lhe impingiram dele. Posso lhe contar uma história sobre ele, você quer ouvir?”

Você limpa as lágrimas e faz sinal de anuência. Sente-se segura e confiante no Homem de Branco.

“No início”, diz ele, “na Aurora do Homem, uma força primal ousou rebelar-se contra seus pares e colocar-se ao lado dos homens mortais. Ele e aqueles que colocaram-se ao seu lado entregaram ao Homem os segredos da Magia ou Ciência, se assim preferir, pois, em verdade, são as duas aspectos do mesmo princípio.

“Por este ato, o Portador da Luz, como alguns mortais vieram a chamá-lo, foi banido, juntamente com seus partidários, da presença de seus pares. Naqueles tempos, homens e 'deuses' tinham maior contato, a assim sendo, o banimento gerou várias lendas pelo mundo dos mortais como a lenda de Prometeu. Para que coisas como a 'traição' de Prometeu-Lúcifer não tornasse a ocorrer, aqueles que o haviam banido ergueram barreiras entre si próprios e o mundo mortal, afastando-se dos homens. Mas os homens revelaram o mesmo orgulho e egoísmo queo os antigos pares do banido e, ao invés de demonstrarem gratidão, em todas as épocas e, na maioria das religiões, imputaram-lhe a culpa de todo o mal sobre a Terra. Tornaram-no, em suma, seu bode expiatório, o depositário de todas as culpas.

“Agora diga-me, criança, quem deve viver no pior dos infernos senão ele mesmo?

“Imagine passar uma eternidade oferecendo conhecimento e anticonformismo questionativo ao mundo, de modo a evitar sua estagnação e recebendo em troca apenas maldições.”

Você faz menção de falar, mas uma sonolência irresistível a envolve. Fecha os olhos e apenas ouve a voz do Homem de Branco, à distância:

“Durma, criança e volte aos seus. Que o que lhe contei seja útil a você e a outros...”

***

O Homem de Branco volta-se e, detrás de uma nuvem, surge outro homem, louro, trajado à rigor, olhar profundamente triste, apesar do sorriso nos lábios.

“Por que fez isso, meu amigo? Crê que trará resultado?”, pergunta.

“Duas interessantes questões. A primeira eu respondo de maneira simples: é da minha natureza. Quanto à segunda... bem, você conhece a Lei do Cosmos tão bem como eu. Demore o quanto demorar, o equilíbrio é restabelecido.”

Os dois, então, principiam a desvanecer no ar e o Homem de Branco exclama, com um sorriso: “A propósito, meu amigo, como vai o seu fígado?”

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2 comentários:

Nathália E. disse...

Nossa... sem palavras para comentar a idéia desse texto.

Beijos!

Patrícia Galvão disse...

Poucas são as coisas que me fazem calar, ou, deixar de comentar, quase deixei...
É bonito, interessante. Me agrada a sua plástica , mas tem coisas que falam às entrelinhas que carrego...que precisam de maior reflexão...e a tenho feito ao longo da vida.
De muitos modos, sou avessa ao progresso e ao Homem em si, então...me confundes onde já sou, por isso,essencialmente confusa.
Em Algum Lugar do Tempo.

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